A mineração em tempos de guerra

A crise sanitária da Covid-19, que ainda persiste, tem nos ensinado que estamos irremediavelmente interligados em nível global. A atual guerra tem feito várias vítimas, principalmente entre os cidadãos dos países envolvidos diretamente nos conflitos. Todos devemos lamentar profundamente o que está acontecendo. Agora, com o agravamento do conflito na Ucrânia, o Brasil começa a sentir suas consequências econômicas e alguns setores já iniciam movimentos para tentar reduzir seus impactos.

Com a suspensão das exportações do potássio bielorrusso e russo para o mercado brasileiro, grupos do agronegócio exportador pressionam o governo brasileiro para encontrar outros meios de suprir as necessidades de potássio. Segundo reportagem da BBC Brasil, 90% dos fertilizantes produzidos ou importados pelo Brasil são absorvidos por quatro commodities agrícolas (soja, milho, cana-de-açúcar e algodão), sendo a soja a principal delas. A maior parte da produção é exportada através de empresas nacionais e transnacionais. Estudos desenvolvidos pela Embrapa Soja indicam que para cada tonelada de grãos, a demanda por K pelas plantas de soja é de aproximadamente 48-50 Kg/ha de K2O e, deste total, de 20 a 22 kg/ha de K2O são exportados das lavouras pelos próprios grãos.

Por outro lado, segundo o IBGE, 70% dos alimentos consumidos no país são provenientes da agricultura familiar (embora haja algumas controvérsias), ou seja, de pequenos agricultores que não são dependentes do fertilizante importado. Seguindo na trilha da economia de baixo carbono, a crise de abastecimento pode ser um bom pretexto para fomentar alternativas sustentáveis para o agronegócio brasileiro.

Em um recente artigo do site Capital Reset, é sugerido que a atual crise no fornecimento de fertilizantes pode ser “o incentivo decisivo para uma onda de inovações sustentáveis na agricultura brasileira, uma oportunidade para avançar em biofertilizantes, hidrogênio verde, bioinsumos, entre outras técnicas para descarbonizar o campo.” 

Com o advento da agenda ESG (governança com responsabilidade socioambiental) na economia mundial, ficará difícil justificar um selo verde nos produtos agrícolas nacionais, se estes estiverem associados à destruição da Amazônia e a conflitos com povos indígenas. No entanto, uma das propostas para contornar a crise no abastecimento de fertilizantes, tem sido acelerar a discussão do Projeto de Lei 191/2020, que visa regulamentar a exploração de recursos minerais em Terras Indígenas.

A Carta de 88 consagrou o princípio constitucional dos direitos originários dos índios, partindo da admissão do fato histórico de que os índios foram os primeiros ocupantes do Brasil, sendo a fonte primária dos seus direitos. Determinou também que os direitos dos índios sobre as terras tradicionalmente por eles ocupadas, são de natureza originária, anteriores à formação do próprio Estado. 

A discussão do Projeto de Lei 191/2020 em regime de urgência, no meio de uma crise humanitária, não coincide com a prudência que o tema exige. Com a edição de dois decretos recentes que pretendem regulamentar a atividade garimpeira, somado à proposta do PL 191, os índios estão correndo o risco de serem as próximas vítimas dessa guerra com o pretexto de matar a fome dos brasileiros.
 
 
Fontes:

Guerra na Ucrânia: por que o Brasil depende tanto dos fertilizantes da Rússia?

BBC News

Crise dos fertilizantes é chance para Brasil acelerar agro sustentável 

Capital Reset

Protagonismo de fertilizante na guerra movimenta indústria de mineração no Brasil

MSN (Folha)

Organizações denunciam lobby com governo para legalizar mineração em terras indígenas

InfoAmazonia

Gigante da mineração canadense atropela Justiça para explorar potássio na Amazônia

InfoAmazonia

Bolsonaro quer viabilizar exploração em TIs

Brasil Mineral

Fertilizantes – Brasil busca alternativas com suspensão russa

Brasil Mineral

Quem produz os alimentos que chegam à mesa do brasileiro?

ASBRAER

Direitos constitucionais dos índios

Povos Indígenas do Brasil

MOPENEWS

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