PL 3729/04: Legalização da Negligência

Setores da sociedade que veem o desenvolvimento econômico como um fim em si mesmo, são guiados pela fórmula de que tudo o que não gera lucro é obstáculo. Seguindo essa premissa, o texto-base do PL 3729/04 foi aprovado na Câmara (12/05) sem que nenhuma audiência pública fosse realizada e traz profundas mudanças na Lei Geral de Licenciamento Ambiental. A intenção central é liberar o empreendedor de enfrentar os diversos mecanismos de controle e fiscalização dos impactos socioambientais de seus empreendimentos. A lista de questionamentos feitos por diversas organizações é grande e a sua aprovação tem causado constrangimento.

Dentre alguns pontos críticos do texto, a licença auto declaratória (LAC) passa a ser regra e a mineração (entre outras atividades) de baixo ou médio impacto ambiental poderão ser auto licenciados. Instituições e bancos que financiam empreendimentos estão livres das responsabilidades sobre reparação, caso haja danos ao meio ambiente ou tragédias, como a de Brumadinho. Unidades de Conservação, Territórios Indígenas não demarcados (41% do total) e Territórios Quilombolas não-titulados (87% do total) estão desprotegidos porque não é mais obrigatória a análise de impacto dos empreendimentos nessas áreas. Estados e municípios poderão estabelecer regras menos rígidas entre unidades da federação para atração de investimentos, o que abre precedentes para um mercado do “não-licenciamento”. Entre outras questões, a ausência de dispositivos mitigadores das mudanças climáticas dá indícios sobre a intenção de precarizar o ordenamento.

Entre os principais argumentos em defesa da proposta, está aquele que diz que o atual modelo de licenciamento ambiental tem sido um entrave ao andamento de obras de diversos setores no país. No entanto, uma auditoria elaborada pelo TCU em 2019 aponta que num universo de mais de 14 mil obras paralisadas no país, apenas 1% é em decorrência de problemas no licenciamento ambiental. Ainda assim, o PL 3729/04 segue acelerado em direção ao afrouxamento da responsabilidade socioambiental, abrindo a porteira para o “progresso” passar.

E a Mineração?

Quanto à mineração de grande porte e/ou alto risco, o texto determina a obediência a normas do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) até lei específica tratar do tema (Fonte: Agência Câmara de Notícias). Porém, qual é o problema da mineração para ter que solicitar destravamentos em relação ao Meio Ambiente?

Não haverá aumento da atividade econômica por causa de destravamento ambiental na mineração, mas sim quando o país recuperar o seu ambiente econômico para atrair novos investimentos.

Nestes últimos 20 anos foi concedida uma média anual de 12.109 alvarás de pesquisa, dos quais apenas 340/ano converteram-se em Concessões de Lavra (2,8% de sucesso). A solicitação de alvarás tem relação com a expectativa global de preço das commodities e do ambiente económico no Brasil, como se comprova na forte queda observada a partir de 2016. Por outro lado, o ritmo de aprovação de Relatórios de Pesquisa e de Concessões de Lavra, que reflete o trabalho do serviço público, tem se mantido normal e crescendo.

O tipo de desenvolvimento econômico pretendido no texto do PL 3729/04 está em evidente dissonância com a agenda ESG (responsabilidade social, ambiental e corporativa), cujas diretrizes sugerem que um capitalismo a qualquer custo não é mais viável. A transição do modelo de produção atual para uma economia menos selvagem e comprometida com a mitigação dos impactos de seus empreendimentos, é o único meio de garantir a sustentabilidade dos negócios no longo prazo, tanto para a sociedade quanto para empresas e investidores, defendem grandes fundos de investimentos.

Com o reconhecimento de que a agenda ESG é um caminho sem volta, a adesão de setores que são grandes poluidores tem o intuito de construir uma imagem positiva junto às comunidades onde atuam. Porém, o apoio dos mesmos ao PL 3729/04, nos deixa um pouco confusos, ficando difícil conciliar o discurso reputacional com o atual cenário de abrandamento legal. O regramento que até então vigora não foi suficiente para impedir os dois piores acidentes socioambientais da história do país, o que dirá a sua flexibilização?

Se o texto passar no Senado e o STF não barrar as suas inconstitucionalidades, a transição do capitalismo selvagem para uma economia verde vai demorar a aterrissar por aqui, já que o horizonte à frente é o da legalização da negligência.

MOPENEWS

Carta aberta da SBPC e de seu Grupo de Trabalho Meio Ambiente sobre a Nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental (PL 3729/2004)

Ressalta-se que, entre os elementos dispostos no documento, destaca-se a ausência da previsibilidade de dispositivos associados a mitigação as mudanças climáticas, estritamente dependente da manutenção de cobertura florestal nativa, integridade de ecossistemas e biodiversidade. Outro elemento não contemplado e presente na Política Nacional de Meio Ambiente é o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) e de instrumentos que assegurem o desenvolvimento sustentável.

Nota da ABRAMPA: Alerta sobre as inconstitucionalidades e retrocessos ambientais constantes do novo substitutivo ao projeto de lei nº 3.729.2004, de 06/05/2021, que pretende alterar o regime de licenciamento ambiental no país

O projeto reduz significativamente as exigências quanto à análise de impactos dos empreendimentos econômicos sobre o meio ambiente e à sociedade. Deixa de exigir, ainda, análise de impacto e adoção de medidas para prevenir danos sobre terras indígenas não demarcadas e sobre os territórios quilombolas ainda não titulados, violando os direitos constitucionalmente assegurados a essas populações, independentemente de demarcação ou titulação (CF, art. 231; ADCT, art. 68). Também deixa de exigir análise de impactos indiretos sobre Unidades de Conservação, inviabilizando a proteção ambiental e da biodiversidade, em violação frontal Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei nº 9.985/2000) e a Convenção sobre Diversidade Biológica.

Projeto aprovado na Câmara abre brecha para novos crimes como Brumadinho (MG)

Em dezembro de 2018, a Câmara de Atividades Minerárias do Conselho Estadual de Política Ambiental de Minas Gerais (Copam) reduziu a classificação de alto potencial de impacto ambiental para médio de todo o complexo de mineração Paraopeba, da Vale, inclusive o reservatório de rejeitos da mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho. Realizada com base em uma mudança da legislação estadual efetivada pouco antes, a medida permitiu a simplificação do licenciamento do empreendimento e é apontada como uma das razões do rompimento da barragem, que matou 270 pessoas, destruiu comunidades e rios inteiros, em janeiro de 2019.

Auditoria operacional sobre obras paralisadas

A auditoria levantou mais de 38 mil contratos referentes a obras públicas em 5 bancos de dados do Governo Federal. Dos contratos analisados, mais de 14 mil estão paralisados. Ou seja, mais de um terço das obras que deveriam estar em andamento pelo país, cerca de 37%, não tiveram avanço ou apresentaram baixíssima execução nos últimos três meses analisados em cada caso.

Ruralistas torturam dados para defender mudança em licenciamento

A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), nome oficial da bancada ruralista, espalhou informações distorcidas ou inverificáveis nesta terça-feira (11) em redes sociais para defender o projeto do deputado Neri Geller (PP-MT) que altera a legislação do licenciamento ambiental no país. A proposta de lei foi repudiada por nove ex-ministros do Meio Ambiente em carta pública, pela Associação dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente, por servidores ambientais federais, pela principal sociedade científica do Brasil, a SBPC, por entidades ambientalistas e pela Sociedade Brasileira de Arqueologia, entre outros.

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